O maior problemas do País não é o défice

O pensamento económico único<br> e o discurso oficial

Eugénio Rosa
O pensamento económico único e o discurso oficial hoje dominantes nos média, de que é exemplo a última intervenção do governador do Banco de Portugal, Victor Constâncio, em que reduz os problemas do País ao défice orçamental, poderá levar os portugueses a pensar que o problema mais grave que enfrenta o País é o do défice orçamental, e que a solução para os males nacionais se resume a equilibrar uma simples igualdade contabilística «DESPESAS=RECEITAS» nas Finanças Públicas, à semelhança da política financeira seguida durante muito anos antes do 25 de Abril, e os restantes problemas resolver-se-iam automaticamente e por si, como por milagre.
Ora isso não é certamente verdade. O desequilíbrio nas Finanças Públicas é apenas a consequência de problemas económicos e sociais mais profundos, é somente a ponta do iceberg de uma crise muita mais profunda que o País enfrenta, que se veio acumulando devido a políticas erradas seguidas no passado, e que não se resolve, como se pretende fazer crer, impondo a nível das finanças da Administração Pública a igualdade contabilística referida anteriormente.
A experiência dos últimos anos, nomeadamente do período 2001-2004, assim como a análise económica liberta do pensamento contabilístico/financista neoliberal dominante mostram que a política que tem sido seguida para resolver o problema do défice orçamental é errada e que persistir nela e mesmo agravá-la ainda mais, como defendeu o governador do Banco de Portugal, Victor Constâncio, na sua intervenção pública de 5 de Janeiro de 2005, é tornar a crise económica e social ainda mais profunda e prolongada, e provocar ainda um maior atraso do País.

Situação de Portugal na UE piora desde 1996

O indicador normalmente utilizado para avaliar o nível de desenvolvimento económico de um país é o chamado «PIB por habitante». E este indicador - PIB por habitante – calcula-se dividindo a riqueza criada anualmente num país – o chamado PIB (Produto Interno Bruto) – pelo número dos seus habitantes.

Para fazer comparações entre países é necessário anular o efeito da diferença de preços que se verifica de país para país. E isto porque embora a moeda possa ser a mesma – por ex., o euro – com um euro compra-se em Espanha, por ex., uma quantidade de bens diferente daquela que se adquire em Portugal, porque os preços dos mesmos produtos nos dois países são diferentes (ex.. gasolina, garrafa de gás, etc.). A este valor a que se chegou, depois de anular o efeito da diferença de preços chama-se euros PPC (Paridades de Poder de Compra).
Os dados que vamos utilizar para comparar o ritmo de crescimento económico de Portugal com os dos outros países da União Europeia nos últimos anos foram publicados pelo Eurostat, que é o serviço oficial da UE, e constam do quadro I (*).
Os dados do quadro I são em euros PPC (Paridade Poder de Compra), ou seja, são euros por habitante em que o Eurostat já eliminou o efeito da diferença de preços que se verificam entre os países. E as conclusões que imediatamente se tiram são as seguintes:
Entre 1995 e 2004, o PIB por habitante aumentou em Portugal apenas 5210 euros, pois passou de 11 110 euros para 16 320 euros, enquanto a média dos 15 países que constituíam a União Europeia até Maio de 2004 cresceu 7320 euros por habitante, pois passou de 16 820 euros para 24 140 euros. Portanto, neste período (1995-2004), Portugal atrasou-se em termos de desenvolvimento económico relativamente à média da União Europeia.
Se a comparação for feita incluindo os 10 países do Leste europeu que entraram para a União Europeia em Maio de 2004 – a UE25 países – o atraso de Portugal continua a verificar-se. Assim, entre 1995 e 2004, o PIB por habitante aumentou em Portugal 5210 euros, enquanto a média dos 25 países da UE cresceu 7000 euros, pois passou de 15 100 euros para 22 100 euros.

Os responsáveis pela situação

Dividindo o período analisado por governos em funções nessa altura em Portugal – PS e PSD/PP – chega-se a interessantes conclusões.
Entre 1995 e 2001, período em que governou o PS, o PIB por habitante aumentou em Portugal 4710 euros, enquanto a média dos 15 países da União Europeia cresceu 5580 euros, e a dos 25 países da União Europeia, portanto incluindo os 10 que entraram em Maio de 2004, aumentou 5200 euros; portanto, durante o período em que esteve em funções o governo PS o PIB por habitante médio da União Europeia, quer UE15 quer UE25, em euros PPC (euros Paridades de Poder de compra) cresceu mais do que em Portugal. Portanto, já com o governo PS, o ritmo de crescimento económico reduziu-se e Portugal começou a divergir da média comunitária acentuando-se, desta forma, o atraso de Portugal em relação à União Europeia.
Mas foi com o governo PSD/PP que o atraso verificado no desenvolvimento do nosso País foi maior. Assim, em três anos apenas (2001 - 2004) de governo PSD/PP, o PIB por habitante, a que se eliminou os efeitos das diferenças de preços entre países, ou seja em euros PPC, cresceu em Portugal apenas 500 euros, enquanto a média dos 15 países da União Europeia aumentou 1800 euros (portanto, mais do triplo), e a dos 25 países da União Europeia cresceu 1740 euros (também mais do triplo).
Como mostram os dados do quadro I, acima, (*), a Grécia, que se encontrava atrás de Portugal até 2001, embora já com um ritmo de crescimento superior ao de Portugal (entre 1997 e 2001 o PIB por habitante da Grécia aumentou 4060 euros, enquanto o de Portugal cresceu apenas 3330 euros por habitante); repetindo, a Grécia, que se encontrava atrás de Portugal até 2001, ultrapassou o nosso País entre 2001 e 2004, pois neste período o seu PIB por habitante cresceu 2970 euros PPC, enquanto o de Portugal aumentou apenas 500 euros.
Um informação divulgada pelo Eurostat já em Dezembro de 2004 - «Stastiques en bref», nº 53/2004 - confirma as conclusões anteriores. Dessa publicação copiou-se um gráfico (**), pois ele mostra com clareza a posição de Portugal em relação aos 25 países da União Europeia, assim como a sua evolução entre 2002 e 2003. Para facilitar a sua leitura interessa ter presente o seguinte:- (1) As barras referentes a Portugal são aquelas que na 1ª coluna têm à sua esquerda as letras PT (existe uma seta a indicar o nosso País) ; (2) Os números à direita das barras correspondem à percentagem que o PIB por habitante de cada país corresponde ao PIB médio da União Europeia dos 25 países :- o que está dentro de parêntesis refere-se ao ano de 2002, e o que está fora ao ano de 2003 ( Portugal, como mostra o gráfico, está no grupo de países que entraram para a União Europeia em Maio de 2004, tendo o seu valor, entre 2002 e 2003, baixado de 77 para 74).
Como mostra o gráfico anterior, Portugal, em termos de desenvolvimento económico, devido ao seu atraso crescente, já não integra o grupo dos 15 países que constituíam a União Europeia até Maio de 2004, mas faz parte sim do grupo dos 10 países que entraram em Maio de 2004.
É este o mais grave problema que o nosso País tem, com consequências económicas e sociais extremamente graves, que o discurso oficial de tudo reduzir ao défice orçamental encobre. Este é o problema cujas verdadeiras causas importa identificar - que não é o défice - para as poder combater. Mas vamos deixar isso para próximos estudos.
_________________

(*) - Fonte: Eurostat/CH: Secrétariat de l'Etat à l'Economie/US: Bureau of Economic Analysis/JP: Economic and Social Research Institute
(f) e 2005 - Estimativas - EUROSTAT


(**) - Por momentânea dificuldade, este quadro, incluído na edição em papel, não consta desta edição online.


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